Desisti

Um livro é como um sábio que o autor pari, solta ao mundo no esforço de tornar o mundo um (ou dois, ou infinitos: tantos mundos quanto autores, tantos mundos quanto leituras desses livros) lugar (es) melhor para se viver. Um livro é o melhor amigo que diz exatamente o que não se queria ler, ouvir, ver: saber. Mas informação necessária para se livrar da culpa que colocam sobre ti, culpa cristã, por ter que ser correto, normal. As atitudes ilícitas, loucas e imorais são tidas como inumanas e não civilizadas, no entanto que sujeito tem a obrigação de se sujeitar (moldar sua identidade, seu "ser-no-mundo", seu "eu") ao processo civilizatório? Alegria é o assassinato do Super-ego, que acaba por confundir o Id e o diluir no Ego de forma em que eu e outrem convivem em completo caos, de tão completa e imperceptível harmonia. E tudo aquilo que não é socialmente construido é tão obscuro que é assustador, superar o social é, finalmente, se tornar sujeito. A desistência é, de fato, uma revelação. E a liberdade um filme de terror.
O grande problema - e esse sim é um proble - desses filhos que Clarices, Gilles, Oscars e tantos outros soltam no mundo é sua vida eterna, mas ainda assim limitada na quantidade de páginas do livro. Pode-se ler de novo, e será novo, mas deve-se passar pelo luto do fim do livro. A saudade logo no dia seguinte, reler os fichamentos (ver as fotos de viagem), procurar as páginas que não se fichou por motivos tais e quais (sem esforço lembrar dos bons momentos em que não se pode fotografar). Quem tem arte não precisa de ninguém. G.H. foi a amante perfeita. Já sinto saudades, e me entristeço por ter que te trocar (sem te trocar, porque o que me tornei graças a ti, será pra sempre eu - porque o que te tornasses graças a mim, serás sempre eu: eu sou tu, tu sou eu, mas tu não é meu, nem eu teu.)


“A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poderm prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro insistente humano. E só esta, é a glória própria de minha condição.
A desistência é uma revelação.” (LISPECTOR, 2009, p. 176)


LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

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Ceyron Louis

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