Conceição e Peri
Conceição chegou por lá, com sua pele branca e seu deus cristão, viu aquele homem lindo, de pele vermelha, não pôde evitar de se apaixonar (paixão é doença; enfraquece o sistema imunológico - seja por encantamento, estranhamento, ou por cansasso após dias de viagem - e fica impossível não se apaixonar).
(Encantamos-nos pelo que é desconhecido. Estranhamento e encantamento - medo e desejo - andam juntos, duelam-se e fazem do sujeito forte e melhor adaptado. Pobre da moça não tinha outra opção se não apaixonar-se, para assim tornar-se rica.)
Peri, por sua vez, não chegou em lugar nenhum, já estava aqui e curtia sua rotina como sempre o fez. Quando de repente viu aquela moça, que mais parecia feita de areia - talvez tivesse cabelo cor de sol, ou cor de fogo, ou de qualquer outra cor que não era cor de suas moças índias, teve medo, desejo, estranhou e encantou-se: apaixonou-se.
(As cores são lindas. Com certeza, por mais ou menos deuses que tenhamos, devido a condição de espécie humana, são aos olhos - de todas as portas dos sentidos, tal qual o ouvido, as mãos, o nariz e a língua - que damos mais importância. Nos olhos confiamos para discriminar, dar valor estético, político, e qualquer outro valor que valorizemos. Peri e Conceição nem mesmo falavam a mesma língua, mas eram afetados pelos olhos que ambos tinham, e funcionavam com a semelhança que devem funcionar os órgãos de bichos da mesma espécie.)
Peri e Conceição apaixonaram-se. Como o vermelho e o branco querem tornar-se rosa; como uma tese e uma antítese querem tornar-se síntese; como arte e ciência querem tonar-se mundo. Mas Jesus europeu não pode se apaixonar por Iemanjá. (Por que ninguém sabe, mas não deixam, não deixam, não deixam! O amor não pode ser inventado, dizem. Amar é assim: como eu faço. Da mesma forma como a criança pequena chora quando quer mamar e aos pouco a mãe, o pai, a vó, a escola, a televisão, os horários de funcionamento dos restaurantes lhe vai ensinando que há hora, maneira e companhia certa para se mamar. O sujeito não pode inventar, por isso o amante verdadeiro é um artista e ninguém o compreende: o amante é artista e louco.)
Separaram a força, então, Peri de Conceição, Conceição de Peri. Eles choraram. Como choraram! O índio, com toda sua sabedoria - que a tribo da açoriana fez questão de tentar destruir e anular - chorou um pouco menos. Suas lágrimas formaram, o que na pequena ilha perdida ao sul do mundo - quando vista pelo tal norte -, chamaram de "Lagoa do Peri". Mas a pobre da moça branca, romântica como são os decendentes do amor shakespeariano, chorou tanto que inundou quase o centro inteiro daquela linda ilha em que tinha caído (e diziam, estranhamente, que a tinham encontrado, descoberto. Peri não a teria encontrado antes? pensava ela. Ora, ele já estava ali! Como podemos tirar as cobertas de algo que não tinha cobertura nenhuma? Quem foi descoberto fomos nós, a ilha nos descobriu; a ilha está tentando tirar as nossas cobertas-preconceito; a ilha, com toda sua novidade, todas suas cores, está nos mandando estímulos, está tentando nos afetar. Porém temos medo, muito medo, de perdemos a nós mesmos. Medo, de novo, o desejo disfarçado, como o medo da morte, o medo da loucura.) e assim formou o que hoje se conhece como "Lagoa da Conceição".
Lagoa do Peri e Lagoa da Conceição. As lagoas para sempre serão deles, pois o que o amor constroi nada - nada - destroi. Nem mesmo a morte. Ora, a morte somente mata o corpo, a alma forte - a alma do amante, do artista, do filósofo, do cientista, do professor, do bom pai, da boa mãe - vive para sempre. Conceição bem sabia que alma nada tinha a ver com céu, e é capaz que Peri também soubesse. Claro que não sabiam bem o que era o amor, eis a graça de amar e procurar a vida eterna: não saber o que seja, o que é.
Referência:
ALÉCIO DOS PASSOS conta a Lenda das Lagoas da Conceição e do Peri em "Pelas Ruas da Minha Cidade" - http://www.youtube.com/watch?v=yz57t3KkjmM
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